Só sei que está cada vez mais difícil me concentrar no trabalho.

Faz algumas semanas que passei pela mudança de sexo em uma daquelas novas clínicas. Não que eu sonhasse em ser mulher — longe disso! — foi puramente estratégico para minha carreira.

Vi uma reportagem sobre um sujeito que fez a mesma coisa, conseguiu tudo o que queria e depois voltou a ser homem. E o detalhe? Voltou ainda mais másculo, todo fortão de terno e gravata, e terminou como CEO da empresa. Pensei: “Tá aí o atalho do sucesso.”

Até agora está funcionando. Recebi promoção, tapinhas no ombro e delicados apertos de mão.Todo mundo me trata de um jeito especial. Mas a vida de mulher é mais complicada e dá trabalho. Homens só precisam de um desodorante decente e já estão prontos. Pra mulher não. Estar sempre bonita e arrumada virou um dever. Se eu apareço com o cabelo fora do lugar é como se cometesse um crime.

Ontem, para completar, uma colega do RH que está de licença-maternidade apareceu com o bebê. Foi só entrar na sala que as mulheres fizeram uma roda como se estivessem recebendo uma celebridade. Eu, para não parecer estranho fui também.

Aí veio o momento fatídico: a mãe colocou o bebê no meu colo. E, de repente, senti algo estranho… não era tesão, não era medo. Parecia que meu novo útero tinha sido despertado.

E o pior: o bebê tentou se aproximar do meu seio como quem diz: “Ei, cadê meu almoço?”. Devolvi a criança correndo, rindo sem graça, mas com uma vozinha na cabeça sussurrando: “Você também poderia ser mãe”. A ideia me deixou confuso.

Agora estou aqui, em plena reunião, tentando ouvir o Vítor falar sobre metas, mas tudo que consigo pensar é: “Meu Deus, que ombros largos… que sorriso é esse?”. Ele tem dentes tão perfeitos que poderiam estrelar um comercial de creme dental. E tenho a nítida impressão que ele só sorri assim quando olha para mim.

Dias atrás, ele me elogiou, o qu emeu deixou super sem graça e ainda me chamou para sair. Dei uma desculpa qualquer, mas agora estou seriamente pensando em aceitar. Seria a primeira vez que saio com um homem… digo, desde que virei mulher.

Ainda planejo voltar a ser homem, claro. Está no cronograma. Mas confesso: se o no encontro com Vitor acontece algo, vai ser complicado seguir com o meu plano original.