domingo, 31 de agosto de 2025



— Então, Luisa, como estamos?

— Não me chame assim. Meu nome é Luis.
— Já falamos sobre isso. Pelos próximos 320 dias você será uma mulher, e nesse período o seu nome será Luisa. Me conte, como está indo?
— Péssimo. Já me encoxaram mais de uma vez dentro do ônibus. Quando passo por uma obra, ouço todo tipo de baixaria. Antes eu achava engraçado ver as garotas passando por isso, mas agora...
— É diferente quando acontece com você, não é mesmo? E no escritório?
— Nada fácil. Muitas vezes chego atrasada, porque agora demoro uma eternidade para me arrumar pela manhã. Quando sugiro uma ideia, parece que ninguém me escuta... aí um cara qualquer fala praticamente a mesma coisa e todos aplaudem. Quando a copeira falta, o chefe manda eu mesma preparar e servir o café pra todo mundo. Sempre que precisamos recepcionar um novo cliente, é a mim que ele escolhe. Diz que uma “coisinha bonita” como eu ajuda na primeira impressão. Mas o pior é quando algum homem grosso tenta me passar uma cantada. Não sei se sinto mais nojo ou vergonha de atrair esse tipo de coisa. E ainda descobri que as cólicas menstruais são horríveis...
— Bem, essa foi a sua sentença alternativa por ter assediado uma colega: um ano como mulher, para aprender a ter empatia. Deve haver algo de positivo nisso tudo. Não aconteceu nada de bom com você?
— Bom... tem o dono de um mercado onde faço minhas compras. Ou melhor, acho que é o filho do dono. Ele é bem simpático, me faz rir, e outro dia insistiu em carregar as sacolas até o meu apartamento.
— E ele é atraente?
— S-sim... quero dizer... é o tipo de homem que as garotas olham quando ele passa na rua.
— E você sente alguma coisa quando fala com ele? Algo físico?
— Eu... sinto um formigamento no estômago. Um calor...
— Interessante. Sabe que parte dos participantes desse tipo de programa, no final, optam por continuar no novo sexo definitivamente?
— Eu não faria isso, doutor. Só quero voltar a ser homem.
— Entendo. Mas, se esse rapaz a convidar para jantar, você aceitaria?
— Bem, eu... não sei. O senhor acha que eu deveria?
— Definitivamente. Seria uma boa forma de descobrir o que sente de verdade. De qualquer modo, pelo que disse, ele parece ser a única coisa positiva nessa sua nova vida.
— Então... eu vou aceitar, doutor.

O médico fez uma anotação no prontuário: “Paciente Luisa apresenta 80% de chance de optar por permanecer como mulher ao término do processo.”

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