Nunca imaginei chegar a este ponto: saia justa, unhas compridas, meia-calça e salto alto. Como foi que cheguei a este ponto?
Tudo aconteceu aos poucos, quase sem eu perceber. Eu estava desempregado havia meses e minhas reservas estavam no fim. Candidatei-me a uma vaga de assistente administrativo — um cargo bem abaixo do que eu ocupava antes como gerente —, mas, naquela altura, não dava mais para escolher.
Quando recebi o e-mail confirmando a entrevista, senti um alívio imediato… até que li com atenção: eles me chamavam de “senhorita”.
Não era a primeira vez. Meu nome é Sasha — comum em homens na Rússia, de onde vêm meus avós —, mas aqui no Brasil todo mundo acha que é nome de mulher. Por um segundo pensei em corrigir, explicar tudo, desistir. Só que a conta bancária zerada não deixava espaço pra orgulho. Por desespero, respondi confirmando a entrevista como se nada tivesse acontecido.
Tive poucos dias para me preparar. O estresse dos últimos tempos tinha me feito emagrecer muito; perdi peso, massa muscular, volume. Minha estatura baixa, que sempre odiei, de repente virou vantagem. Com roupa certa, um pouco de maquiagem e cabelo arrumado, consegui me passar por mulher sem grande dificuldade.
Quase entrei em pânico quando me ligaram dizendo que eu tinha sido “aprovada”, mas… não tinha alternativa. Aceitei. Isso foi há oito meses.
Hoje tudo parece natural. De manhã levanto, escolho a roupa, visto a meia-calça, calço o salto, arrumo o cabelo, passo maquiagem. Saio para o trabalho com um sorriso de boa moça — e o sorriso é de verdade, porque é o que esperam de mim.
Os enchimentos de silicone nos quadris e nos seios começaram a virar tortura nos dias quentes de verão. Aos poucos fui me convencendo de que “só um pouco de hormônio” não faria mal. Depois veio a lipoaspiração, as aplicações de hidrogel… até que as curvas passaram a ser minhas de verdade.
Meu chefe e as colegas nunca desconfiaram. Para eles sou só mais uma das meninas do escritório. E eu… eu não me reconheço mais no espelho.
O que era para ser temporário virou rotina. A cada dia me perco um pouco mais e me torno mais mulher. Às vezes me pergunto se ainda serei capaz de voltar atrás — ou se, no fundo, já não quero mais voltar.
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